Minha Casa, Minha Vida amplia alcance e flexibiliza regras para financiamento de imóveis usados

Por Anderson Braga
Ao contrário do que muitos ainda pensam, o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV), do governo federal, não se limita ao financiamento de imóveis novos. Desde fevereiro de 2023, a iniciativa passou a permitir a aquisição de casas e apartamentos usados com as mesmas taxas de juros reduzidas já oferecidas para imóveis recém-construídos. A mudança ampliou o alcance do programa, mas também gerou reações dentro do setor da construção civil, levando o governo a impor ajustes em 2024 e a promover flexibilizações já em 2025.
A ampliação da política habitacional ocorre em um momento em que o financiamento tradicional de imóveis se torna cada vez mais oneroso para as famílias brasileiras. Com a taxa Selic estabilizada em 14,75% — o maior patamar em quase duas décadas —, o MCMV se destaca ao oferecer juros entre 4% e 8,16% ao ano para as três primeiras faixas de renda, e de 10% ao ano para a recém-criada faixa 4, voltada a famílias com renda de até R$ 12 mil.
O que mudou no financiamento de usados
Embora as exigências para financiar imóveis usados sejam basicamente as mesmas aplicadas aos imóveis novos — como não possuir outro imóvel no município, não ter sido beneficiado por programas habitacionais anteriormente, comprovar renda e capacidade de pagamento —, o governo federal, pressionado pelo setor da construção, publicou em agosto de 2024 uma instrução normativa que limitou parte do acesso da classe média à modalidade.
A nova norma reduziu o teto de financiamento de imóveis usados na faixa 3 do programa, de R$ 350 mil para R$ 270 mil, e aumentou o percentual exigido de entrada. A medida foi motivada pelo crescimento expressivo na contratação de imóveis usados: só em 2024, 27% dos contratos do MCMV foram para unidades usadas, maior percentual da história do programa. Das 583 mil unidades financiadas no ano, 155,1 mil foram usadas.
Pressão do setor da construção
O aumento da participação de imóveis usados nos contratos do MCMV acendeu um sinal de alerta no setor da construção civil. Representantes da indústria argumentam que os imóveis novos movimentam a economia, geram empregos e sustentam o FGTS — fundo essencial para o financiamento habitacional.
“Imóveis usados não geram postos de trabalho diretos e não contribuem para a sustentabilidade do fundo”, afirmou a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em nota enviada ao g1. Apesar disso, a entidade reconheceu que os usados são uma alternativa válida em regiões onde há escassez de empreendimentos novos.
A economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre, destacou que o aumento nas contratações de usados gerou pressão suficiente para que o governo endurecesse as regras. “As mudanças foram no sentido de diminuir os valores financiáveis e aumentar o percentual de entrada, especialmente para a faixa 3, que é onde o impacto foi maior”, explicou.
Alívio em 2025: entrada menor para a faixa 3
Após as restrições de 2024, o governo voltou a flexibilizar as regras neste ano. Em 2025, o valor da entrada mínima exigida para imóveis usados na faixa 3 foi reduzido, dando novo fôlego ao mercado. A mudança varia por região:
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Sul e Sudeste: entrada caiu de 50% para 35% do valor do imóvel;
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Norte, Nordeste e Centro-Oeste: entrada caiu de 30% para 20%.
Na prática, para um imóvel de R$ 270 mil — limite atual para financiamento de usados na faixa 3 —, o valor da entrada caiu de R$ 135 mil para R$ 94,5 mil no Sul e Sudeste, e de R$ 81 mil para R$ 54 mil nas demais regiões.
Um alento para o mercado
Para o presidente da Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI), Alfredo Freitas, a flexibilização das regras representa uma medida positiva, ainda que tímida. “Não é uma mudança tão expressiva, mas toda melhoria no mercado de crédito é vista com bons olhos. É complexo para o comprador conciliar renda, entrada e parcelas mensais”, ponderou.
Além da readequação na faixa 3, a criação da faixa 4, em maio de 2025, também permitiu a compra de imóveis usados por famílias com salários de até R$ 12 mil, ampliando ainda mais o universo de potenciais beneficiários.
Perspectivas
A continuidade do financiamento de imóveis usados dentro do Minha Casa, Minha Vida parece encontrar um equilíbrio entre inclusão social e sustentabilidade econômica. Ao mesmo tempo em que oferece uma alternativa realista para milhares de famílias que buscam sair do aluguel, também precisa garantir que os recursos do FGTS continuem a impulsionar a construção de novas moradias — com seus efeitos positivos em cadeia sobre o mercado de trabalho e a economia como um todo.
O desafio, agora, está em administrar esse equilíbrio de forma responsável, garantindo que o programa siga cumprindo seu papel social sem comprometer sua viabilidade no longo prazo.