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Governo judicializa decreto do IOF e escancara crise política em meio a bons indicadores econômicos

Por Anderson Santos Braga 

O governo federal decidiu recorrer ao Judiciário para contestar a derrubada do decreto que aumentava a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), aprovada pelo Congresso Nacional. A iniciativa, segundo fontes do Executivo, se baseia na avaliação de que houve uma invasão de competência legislativa, uma vez que o governo possui prerrogativa constitucional para alterar a alíquota do tributo. Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), argumenta o Planalto, só seria cabível se houvesse extrapolação dessas prerrogativas, o que, na visão do governo, não ocorreu.

A decisão ocorre em meio a um ambiente político já tensionado. A avaliação interna no governo é que a temperatura da crise política está alta há tempos e que pouco pode ser feito, neste momento, para aliviar o clima. Diferentemente de outras situações semelhantes, a origem do impasse atual não está nos fundamentos econômicos — que, aliás, têm demonstrado sinais positivos.

A inflação segue trajetória de queda. O Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, apontou a décima redução consecutiva da estimativa do IPCA, agora em 5,2% para 2025. O Bradesco, em relatório recente, projeta um índice ainda menor, de 5%. O dólar recuou 12,08% no primeiro semestre, influenciando diretamente a desaceleração de preços, especialmente nos alimentos — o ovo, por exemplo, caiu 7% no IPCA-15. O desemprego também registrou seu menor nível da série histórica, com taxa de 6,2%, e a previsão de crescimento do PIB gira em torno de 2,2%.

O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostrou que, somente em maio, foram criadas 149 mil vagas com carteira assinada. Dados do IBGE revelam uma melhora expressiva no mercado de trabalho, com redução de 644 mil pessoas desempregadas entre março e maio. A população desalentada — que havia atingido seis milhões em 2021 — caiu para 2,9 milhões, representando uma queda de 10% apenas no último trimestre.

Apesar dos bons números, o país convive com um grave problema fiscal estrutural. Em maio, houve aumento da dívida e déficit público, embora o acumulado dos primeiros cinco meses do ano registre superávit. A raiz do desequilíbrio não está nas contas do cotidiano, mas em distorções de longa data, que exigem uma proposta firme de enfrentamento — algo que o governo, por ora, encontra dificuldades de apresentar, diante de um Congresso cada vez mais autônomo e resistente ao diálogo.

A crise política se aprofunda com a escalada de emendas parlamentares — que atingiram valores recordes desde a gestão Jair Bolsonaro — e com a robustez dos fundos partidário e eleitoral. Esse novo desenho enfraquece o papel do Executivo como articulador de governabilidade, ao passo que parlamentares não dependem mais da negociação com o Planalto para atender suas bases.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, elevou o tom ao acusar o governo de criar um ambiente de “nós contra eles”, após a derrota do Executivo na votação do decreto do IOF. No entanto, fontes do governo apontam que o primeiro ataque partiu do próprio Congresso, que tem demonstrado disposição constante para impor derrotas ao governo em votações estratégicas.

No campo econômico, o Bradesco reconhece que o risco fiscal ainda é relevante, mas avalia que há melhora na percepção externa em relação ao Brasil. A combinação de dólar mais baixo, inflação em queda e juros mais controlados contribui para um cenário mais otimista. A previsão de inflação para 2026 é de 3,8%, dentro do intervalo da meta.

Diante do quadro, especialistas argumentam que não há razões econômicas objetivas para o ambiente político de confrontação. O verdadeiro desafio está na formulação de uma agenda de responsabilidade fiscal que seja viável politicamente. Isso passa por reformas estruturais, como o fim da indexação de despesas, mas enfrenta barreiras no Legislativo, que se recusa até a discutir medidas de impacto mais limitado.

Como a história já mostrou — com o sucesso do Plano Real em meio a um ano eleitoral e um governo curto — reformas profundas podem ser feitas em qualquer contexto. Resta ao atual governo decidir se terá coragem e estratégia para iniciar esse caminho, mesmo que os frutos sejam colhidos por uma futura administração.

O Brasil, afinal, precisa mais de responsabilidade institucional do que de vencedores momentâneos em batalhas políticas.

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