
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que amplia de 513 para 531 o número de parlamentares na Casa, ocorrida nesta terça-feira (6), não é um simples ajuste numérico — é uma lição eloquente sobre como o poder político, quando pressionado por obrigações constitucionais e interesses regionais, pode encontrar formas engenhosas de manter-se íntegro, ainda que às custas do erário.
A justificativa formal é robusta. A Constituição de 1988 determina que a representação na Câmara deve ser proporcional à população dos estados. O problema é que essa proporcionalidade, cristalizada desde as eleições de 1994 com base na população de 1985, nunca foi revisada, apesar de sucessivos censos apontarem importantes mudanças demográficas. O Supremo Tribunal Federal, atento a essa omissão, determinou em 2023 que o Congresso atualizasse a composição das bancadas. O prazo finda em 30 de junho, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral assumir a tarefa — possibilidade que o Parlamento não desejava ver concretizada.
O projeto aprovado foi fruto de um acordo articulado pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e relatado por Damião Feliciano (União-PB). A grande manobra do texto reside em garantir que nenhum estado perca cadeiras — um expediente politicamente prudente, ainda que orçamentariamente oneroso — e, ao mesmo tempo, beneficiar estados que tiveram crescimento populacional expressivo. Ao todo, nove estados ganharão entre uma e quatro vagas, sendo os maiores beneficiados Pará e Santa Catarina.
O impacto fiscal, estimado em R$ 64,6 milhões por ano, foi tratado com desdém por seus proponentes. O relator garantiu que o orçamento da Câmara já comporta a despesa. Todavia, esse argumento escamoteia a verdadeira questão: o aumento de cadeiras — e, por conseguinte, do número de deputados estaduais, efeito cascata previsto na Constituição — representa um crescimento da máquina pública que recairá, inevitavelmente, sobre o contribuinte.
É forçoso reconhecer, contudo, que a solução encontrada evita o trauma político de retirar representação de estados nordestinos e do Rio de Janeiro, que figuravam entre os que perderiam cadeiras segundo o modelo defendido pelo STF. Retirar cadeiras é retirar poder, verbas e influência — uma tarefa que poucos congressistas estariam dispostos a abraçar em ano pré-eleitoral.
Além disso, o projeto estabelece critérios de atualização mais rigorosos para o futuro, restringindo o uso de dados que não sejam auditados e validados, numa tentativa de blindar a distribuição de bancadas contra disputas e manipulações demográficas. Um avanço técnico importante, ainda que insuficiente para dissipar todas as nuvens de contestação que fatalmente surgirão a cada Censo.
Em perspectiva histórica, este episódio remete a um embate que se arrasta há três décadas. Tentativas anteriores do TSE de atualizar a representação — notadamente em 2013 — foram barradas pelo próprio Congresso, e posteriormente anuladas pelo STF. A atual proposta, ainda pendente de aprovação no Senado, parece buscar um equilíbrio pragmático entre a letra fria da proporcionalidade e a realidade quente da correlação de forças políticas regionais.
Se, ao final, o Senado ratificar a ampliação de cadeiras, o Brasil terá não apenas mais deputados, mas também mais uma demonstração de como o Legislativo sabe proteger seus próprios interesses. O que se perde, nesse processo, é a oportunidade de discutir seriamente um tema que vai além da aritmética das cadeiras: o tamanho e a eficiência da representação política no Brasil.
O aumento da Câmara, sob o pretexto de corrigir distorções populacionais, também amplia as distorções orçamentárias e institucionais. E nesse jogo de soma variável, quem paga a conta — como sempre — é o eleitor.
Por Anderson Braga