Bola de Ouro: Vini Jr sofreu retaliação por sua luta contra o racismo?
Entrega do prêmio de melhor do mundo levantou discussão sobre influência do viés racial na escolha

A entrega da Bola de Ouro para Rodri, apesar do grande favoritismo de Vini Jr, gerou uma série de repercussões. Parte do público interpretou que a escolha sofreu influência do fator racial. O brasileiro é, hoje, a principal voz na luta contra o racismo no futebol. Postura que lhe rende apoios, mas também muitas inimizades no mundo do futebol. Principalmente na Europa, de onde vem a maioria dos votantes.
A primeira declaração do próprio Vini após a premiação foi neste sentido. O atacante deixou claro que não pretende mudar de postura.
“Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados”, postou o atacante em suas redes sociais.
Diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho concorda com esta leitura. Para ele, ao enfrentar o racismo de forma constante Vini rompe com a imagem que se espera de um negro.
— Existe este fator a partir do momento que a maioria das pessoa que votam têm esse componente racial dentro delas. O pensamento que sempre vigorou é: “O que espero de uma pessoa negra? Espero submissão, bom comportamento. Que ela faça aquilo que a gente diz que ela deveria fazer”. E, no momento em que o Vinícius rompe esta barreira, ele se torna uma pessoa não grata para uma parcela muito grande da sociedade. Inclusive no meio do futebol — argumenta.
A rejeição à postura de Vini é traduzida em críticas ao seu comportamento. Os maiores alvos são as comemorações pós-gol e provocações aos rivais, chamadas de desrespeito. Quando já havia rumores da vitória de Rodri, um texto publicado no Diário Sport, de Barcelona, e assinado pelo jornalista espanhol L.Miguel Sanz resumiu bem o sentimento de parte dos europeus em relação ao brasileiro.
O jornalista não desmerece o talento do atacante do Real Madrid. No entanto, defende que não se vence a Bola de Ouro apenas com títulos e rendimento em campo, mas também pela pessoa e os valores que ela representa. Embora Vini Jr seja um ícone da luta antirracista e seu enfrentamento venha mudando a forma como o futebol espanhol lida com o assunto, para ele o brasileiro “tem muito o que aprender”.
“Ganhou o futebol e também os valores. Por mais que pese a Florentino Pérez e aos torcedores do Real. Muitas Bolas de Ouro foram mais que merecidas e, se Rodri vence, terá sido duplamente. É uma grandíssima notícia para o futebol e para seus profissionais. E, sobretudo, é uma lição para que Vinícius aprenda a se comportar melhor e a respeitar seus rivais. Não se trata apenas de vencer”, escreveu.
Vini, obviamente, não é o primeiro jogador ativista. Para Carvalho, o que o diferencia é o fato de não ter recuado até mesmo quando o “sistema” se colocou contra ele. Em 2023, o atacante do Real bateu de frente com Javier Tebas, presidente da La Liga, organizadora do Campeonato Espanhol, e o fez admitir que havia racismo nos estádios do país.
— Quando o Vinícius denuncia que sofreu racismo no Espanhol (em jogo contra o Valencia) e o Tebas disse que não era bem isso, ele (Vini) foi firme no posicionamento. Ali ele mostrou a diferença dele. Quando muita gente diz que a melhor maneira de enfrentar o racismo é não falar sobre isso, ele disse “não”. É a questão de não baixar a cabeça. A sociedade branca espera que os negros baixem a cabeça. Quando ele não fica quieto, quebra essa submissão esperada. Continuou lutando mesmo quando esteve em perigo. Disseram que iam multá-lo, a represália estava pronta. E ele não silenciou — prosseguiu.
As consequências, no entanto, podem ser pesadas. No caso de Vini, muitos acreditam ter sido a perda da Bola de Ouro. Mas há exemplos mais drásticos. O ex-jogador Reinaldo, ídolo do Atlético-MG, perdeu espaço na seleção coincidentemente depois de ter feito o gesto do punho cerrado na Copa de 1978, época em que o governo militar tinha influência na equipe nacional.
Há também o exemplo de Aranha, que não se calou pelo racismo sofrido por torcedores do Grêmio na Copa do Brasil de 2014. Sua denúncia resultou na exclusão do clube do torneio, mas ele chegou a ser desacreditado por parte da sociedade e ficou marcado pelo episódio. Rescindiu contrato com o Santos poucos meses depois do episódio e se transferiu para o Palmeiras, onde não teve oportunidades. Em seguida, o mesmo ocorreu no Joinville. Só voltou a ter sequência quando regressou à Ponte Preta, que o revelou.
— Enquanto o Vinícius jogar futebol, enquanto estiver vivo, vai ter que enfrentar esse tipo de situação. Porque não importa quanto dinheiro ele ganha, quantos títulos ele conquiste e em quais clubes ele vai jogar, ele vai sempre ser um homem negro. Então vai conviver com isso para o resto da vida — acredita Aranha, que justifica sua opinião.