STJ mantém fim da patente do Ozempic em março de 2026
A decisão era considerada decisiva porque poderia adiar a entrada de genéricos no país: a patente atual expira em março de 2026 e versões concorrentes já estão sob análise na Anvisa.

Por G1
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu negar, por unanimidade, recurso da Novo Nordisk que pedia que o Brasil estendesse a patente da semaglutida, substância usada em medicamentos como Ozempic e Rybelsus. A decisão da Quarta Turma do STJ foi tomada nesta terça-feira (16).
A decisão era considerada decisiva porque poderia adiar a entrada de genéricos no país: a patente atual expira em março de 2026 e versões concorrentes já estão sob análise na Anvisa.
Pela regra brasileira, as empresas têm direito há 20 anos de exclusividade com suas tecnologias a partir do pedido de patente. A empresa alega que houve atraso na avaliação no Brasil e pedia que a Justiça “devolvesse” esse período.
E qual seria o impacto? Se o pedido fosse aceito, a exclusividade do Ozempic, por exemplo, que terminaria em 2026, poderia ser estendida até 2038.
Enquanto a empresa tentava a Justiça, o Ministério da Saúde tem corrido para garantir novas versões brasileiras: a pasta pediu que a Anvisa acelere a aprovação de 20 novas canetas de semaglutida e liraglutida. Com isso, assim que a patente cair, o mercado nacional teria várias opções — o que baratearia o produto.
Com isso, segundo especialistas, a decisão do STJ pode influenciar diretamente o acesso ao tratamento no país:
- Apesar de ser uma doença multifatorial e não defenderem a caneta como única opção, especialistas apontam que esses medicamentos podem ser ativos importantes no tratamento na rede pública, que não tem, hoje, nenhum medicamento disponível. A única opção é a bariátrica, mas que também não chega a todo mundo – apenas 10% de todas as cirurgias são feitas pelo SUS.
- A queda das patentes deve abrir espaço para genéricos com preços mais acessíveis, o que pode permitir a inclusão na rede pública.
☑️ O que é a semaglutida? A semaglutida é um análogo (substância muito parecida) ao hormônio GLP-1. Nosso corpo produz esse hormônio e ele é secretado principalmente pelas células do intestino. Ele vai até o cérebro, no hipotálamo, e estimula algumas células, diminuindo o apetite. Com isso, vem sendo usada no tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade.
O alto custo é justamente o entrave no acesso: Segundo o Ministério da Saúde, no cenário de hoje, seriam gastos R$ 8 bilhões por ano para atender os pacientes. Com isso, a inclusão na rede pública foi rejeitada.
“Esse valor representa quase o dobro do orçamento do Farmácia Popular em 2025. Com a entrada de novos medicamentos genéricos no mercado e aumento da concorrência, os preços devem cair de forma significativa – em média, estudos apontam que os genéricos induzem queda de 30% nos preços. Esse é um fator determinante para a análise de sua possível incorporação ao SUS”, afirma o Ministério da Saúde.
A chegada das canetas na rede pública seria o primeiro passo em um tratamento contra obesidade, segundo especialistas. Hoje, quem tem a doença recebe medicamentos apenas para a comorbidade como diabetes, hipertensão, gordura no fígado.
Por outro lado, representantes da indústria afirmam que restringir as possibilidades de extensão reduz o tempo efetivo de proteção — que pode cair para poucos anos devido à demora do INPI — e desestimula investimentos e inovação no país.
O que foi discutido no STJ?
O medicamento vem revolucionando – segundo especialistas – o tratamento para as doenças. Recentemente, foi incluído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na lista de medicamentos essenciais para para casos diabetes tipo 2 com comorbidades associadas.
A substância está aprovada no Brasil pela Anvisa desde 2018, com a chegada do Ozempic, produzido pela Novo Nordisk. Depois, a empresa anunciou a chegada do Rybelsus, uma versão da semaglutida não em caneta, mas em comprimido.
🔴 Muito antes de ser aprovado pela Anvisa, a Novo Nordisk havia acionado o INPI, que é responsável pelas patentes no país, para registrar o medicamento e a tecnologia.
Patentes são mecanismos legais que garantem exclusividade de exploração de um produto ou tecnologia por um período determinado — no caso brasileiro, 20 anos. Esse também é um prazo padrão na Europa, por exemplo. A lógica é permitir que empresas recuperem investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
No Brasil, havia um adicional na lei que permitia que a patente fosse estendida se a empresa pedisse, mas isso foi mudado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na pandemia com as discussões sobre a vacina contra a Covid-19. Com a mudança, empresas deixaram de ter esse “tempo extra” e passaram a acionar a Justiça para tentar recompor o prazo.
O que a Novo Nordisk alega é que o instituto demorou para dar o registro e isso fez com que ela fosse prejudicada no tempo de exploração da tecnologia que desenvolveu. No caso do Ozempic, ela alega que o atraso chegou a 12 anos.
De acordo com a defesa do laboratório EMS, o STJ aplicou entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, segundo o qual não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro para a prorrogação de patentes em razão de atrasos administrativos na análise pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“A Corte Superior deixou claro que não há autorização legal para a extensão do prazo de patentes. Com isso, ganha a coletividade e o Sistema Único de Saúde poderão ter acesso à semaglutida a preços mais baixos”, afirmam os advogados Guilherme Coelho e Elias Nóbrega, sócios do escritório Bermudes Advogados.
Como isso pode afetar quem trata obesidade?
A decisão do STJ ocorre em um momento em que o Brasil enfrenta o crescimento da obesidade. Hoje, 7 em cada 10 adultos estão acima do peso, e 31% já são obesos. A doença cresce mais rapidamente entre as populações que dependem do SUS, o que aprofunda desigualdades. Para especialistas, o país já vive um cenário crítico que exige políticas preventivas e ampliação do acesso a tratamentos eficazes.
Apesar da dimensão do problema, o tratamento disponível na rede pública é limitado. O SUS não oferece nenhum medicamento específico para obesidade. O cuidado se concentra nas consequências — diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares — e não na doença em si.
➡️ A única alternativa terapêutica disponível é a cirurgia bariátrica, mas o acesso é restrito: apenas 10% de todos os procedimentos feitos no país, são feitos no sistema de saúde público.
É nesse contexto que a chegada de versões genéricas das canetas de semaglutida e liraglutida é vista como estratégica pelos especialistas. Apesar de reforçarem que não pode ser vista como única medida, já que a obesidade é uma doença multifatorial e que exige tratamento multidisciplinar e melhoria no acesso à alimentação de qualidade para a população.
O g1 conversou com pesquisadores e especialistas de mercado que explicam que com a queda de patente, os preços das canetas devem cair. Assim como aconteceu com a liraglutida, que a EMS passou a produzir a versão brasileira por R$ 300 cada caneta.
Segundo os especialistas, a rapidez com que os preços podem cair depende da resposta do mercado. Ou seja, quantas canetas já estariam disponíveis. Nesta segunda-feira (9) o Ministério da Saúde confirmou que pediu urgência na análise de 20 canetas, algumas delas de semaglutida, na Anvisa.
A agência ainda vai analisar os casos, mas há a expectativa de pelo menos duas marcas aprovadas ainda este ano. Isso pode criar um cenário em que, se mantendo a queda da patente, o mercado nacional já teria novas opções — movimento que reduziria os preços.
A pesquisadora Lia Hasenclever, que estuda o impacto de patentes no sistema público de saúde, afirma que, normalmente, quando o medicamento perde a patente, a queda de preço depende da concorrência.
“Com o movimento das empresas e do Ministério da Saúde, já temos sinais de que esse valor começa a cair e essa queda pode ser drástica”, aponta Lia.
💸 Hoje, uma caneta custa cerca de R$ 1 mil, o que torna o tratamento inviável para a maioria da população, até mesmo para o SUS.
🔴 Em agosto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) chegou a debater a inclusão das canetas, mas deu parecer contrário por causa do alto custo. Segundo o Ministério da Saúde, no cenário de hoje, seriam gastos R$ 8 bilhões por ano para atender os pacientes.
Enquanto isso, na contramão de quem espera pelo remédio na rede pública, há uma exploração estética do medicamento, que revela uma desigualdade no acesso à saúde no país.
A médica endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora de advocacy na Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), explica que a realidade no SUS de quem tem obesidade é de não ter acesso a um tratamento efetivo.
A especialista reforça que espera que se houver uma incorporação, isso deve acompanhar o rigor de outras medicações para a prescrição, que seja analisado caso a caso a necessidade e que o paciente tenha suporte de nutricionista e outras especialidades para tratar de forma ampla a doença.
“Isso pode abrir portas para um tratamento mais estruturado no sistema público e revolucionar a longo prazo a saúde. Hoje, as doenças que mais custam ao país são consequências da obesidade. Reduzir esses índices é custar menos ao sistema”, explica Melo.




